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sexta-feira, 23 de julho de 2010

Jogo da Democracia - por Evandro Rocha


O frio da madrugada era cortante.A multidão na Praça do Congresso em Buenos Aires, aguardava ansiosamente.A espera parecia não ter fim.De repente,veio o sufrágio:o Congresso Argentino acabara de aprovar a lei que autoriza a união civil entre pessoas do mesmo sexo,um marco histórico na América Latina.A multidão que ali aguardava,comemorou .Foi como um gol da seleção argentina comandada por Maradona na copa do mundo.Aplausos,abraços,lágrimas de emoção e felicidade aqueceram os corpos gelados pelo frio de centenas de integrantes da comunidade gay que celebraram na praça até o raiar do sol. Os argentinos são conhecidos pelo seu jeito arrogante de ser,rivalidade futebolística à parte,esta opinião não é exclusiva,basta perguntar a um uruguaio, chileno ou a qualquer latino que tenha um mínimo de contato com a cultura argentina e, facilmente se constata que compartilham da mesma premissa.Entretanto,com a decisão de oficializar o casamento gay,a Argentina nos dá uma grande lição de democracia e de respeito aos direitos humanos.Aqui no Brasil,tal matéria ainda suscita acaloradas discussões e, arrasta-se no Congresso Nacional brasileiro,desde 1995, o projeto de autoria da deputada Marta Suplicy,que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências.Tal fato, não reconhecendo devido direito,nos coloca em uma posição incômoda em relação a países que levam a sério os anseios de seus cidadãos.Os empecilhos para a aprovação da lei, são os mais variados possíveis,revelando o falso conservadorismo de um povo que guarda resquícios de uma herança discriminatória e opressora de um tempo que não mais existe e de uma instituição eclesiástica que ainda parece estar na Idade Média.Os tempos mudaram,as pessoas evoluem,a sociedade é dinâmica.Hoje as posturas radicais são contestadas porque induzem ao retrocesso.Visões distorcidas da realidade quando condicionam grande parte dos cidadãos a conclusões divergentes do que realmente é nosso cotidiano,ocultam o reconhecimento de determinados direitos que são condição imprescindível para uma sociedade mais plural e autodeterminante. O filósofo Kant,definiu como imperativo categórico,o princípio pelo qual,deve-se agir sempre baseado naqueles princípios que se deseja ver aplicados universalmente. Ou seja,façam para os outros o que gostaria que todos fizessem para todos.Com relação a questões de gênero não é diferente, trata-se da aceitação de uma realidade imputada a todos os cidadãos do mundo.Quanto aos argentinos,no jogo da democracia e do respeito aos direitos humanos,1 a 0 para eles.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A segunda letra - por Giovanna Guterres

Noventa anos. O personagem dessa obra de Gabriel García Márquez, na véspera de seu aniversário é invadido pela inquietação: Tantos anos vividos sem nunca ter conhecido um sentimento que até então somente tinha ouvido falar: O AMOR. Esse homem decide presentear a si mesmo com uma noite de amor louco com uma ninfeta virgem que exalasse a pureza de nunca ter sido tocada. Ela teria que ser virgem e não apenas mais uma das centenas de mulheres que passaram por sua vida sem horizontes quando ele perambulava de bordel em bordel, dormindo com mulheres descartáveis. A narrativa é ambientada numa cidade colombiana imaginária, numa época que de tão remota parece imemorial. O próprio jornalista é o narrador dessas memórias. Ele junta suas economias oriundas de colunas semanais a um jornal, e de sua aposentaria, para pagar pela virgem. Aos 90 anos de vida pouco espaço resta ao lamento. O sentimento dele para com a menina transforma-se num amor real, mas sem idealizações impossíveis. O nobre jornalista passa a transbordar esse sentimento nos seus escritos, agora apaixonados, mas que antes eram crônicas e resenhas maçantes.
Só Gabriel García Márquez para escrever sobre um tema que poderia ser considerado pesado, fútil ou leviano, de forma tão lírica e singela que serve como pano de fundo para uma reflexão sobre o quanto inusitada é a vida e o valor que devemos dar a cada segundo. É um romance de celebração a vida, o que só contribui para reafirmar seu prêmio Nobel de Literatura de 1982. Uma belíssima história contada perto do ponto final, sem nenhuma mágoa por estar acabando.


MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES
GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
2004
21ª Ed.
127 p.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A segunda letra - por Giovanna Guterres

SEDA, de Alessandro Baricco, conta as aventuras de Hervé Joncour, ex-militar que se tornou contrabandista a serviço dos donos de empresas de fiação. Em meados do século XIX, Hervé Joncour faz viagens quase impensáveis para a época. São quatro viagens de Lavilledieu, França, até o Japão com percursos que inclui uma longa travessia por solo siberiano e viagens em navios de contrabandistas holandeses, em busca de negociar ovos do bicho-da-seda. Inicialmente a motivação pelas expedições é um discreto, mas presente gosto por aventuras. Joncour leva ouro e traz os ovos a tempo de, saudáveis, gerarem o produto natural que permitirá à indústria do lugar a produção e a riqueza. Quem sofre com suas viagens é sua esposa Hélene. A partir da primeira expedição é perceptível as mudanças no comportamento de Joncour que encontrou no Oriente não apenas os ovos-da-seda, mas o mistério. Nesse sentido, os fragmentos que formam os capítulos registram menos fatos históricos do que imagens para Joncour: o “fim do mundo”, definido por ele como “invisível”, pássaros que remetem a sentimentos represados, cores “mais leve que o nada”, ideogramas que são como “cinzas de uma voz queimada”, um poderoso japonês que vive numa “bolha de vazio” e a misteriosa menina de olhos ocidentais que ele consegue apenas o toque dela com seda, e bilhetes, que só pode traduzir na volta, meses depois, além de uma longa e linda carta. Ele vai ao Japão porque precisa rever as misteriosas feições da menina e volta porque se sente atraído pela saudade da bela voz de sua mulher Hélene.

SEDA, é considerado o maior sucesso editorial do autor; a narrativa desliza com o olhar do protagonista. O texto é preciso, quase cede à poesia. Baricco dispensa o diálogo, esta história ainda que feita de muitas vozes, funciona, não como um monólogo, mas como a soma de vários deles. Indo da primeira a terceira pessoa, o romancista sai de um território onírico de vozes quase fantasmagóricas.

SEDA
BARICCO, ALESSANDRO
COMPANHIA DAS LETRAS
119p.
2008

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Teatro de Quinta - Por Biagio Pecorelli (be.)

O CÂNDIDO E O CRUEL.


O poeta Manoel de Barros, com seu Menino do Mato, me disse certo dia espantosamente, quando eu estava no ônibus: “Pra meu gosto a palavra não precisa significar — é só entoar.” Seria demais extrair deste poema algo de artaudiano, dado que o poeta matogrossense, com absoluta certeza, não se referia em nada ao Teatro da Crueldade, nem a nenhum outro teatro, quando revelou o seu encantamento pela palavra. Mas se o melhor da linguagem poética é extorquir o poema de si, sem que com isso firamos necessariamente a sua essência — ao contrário, realizamos a essência do poema ao incompreendê-lo completamente — aqui vou eu.

De fato, há pouco a se dizer da crueldade (conceito caríssimo a Artaud) em um poeta tão belamente pueril e doce como Manoel de Barros, do mesmo modo como me parece forçoso extrair candura de um homem atordoado como Artaud, de onde partiram versos como “Onde cheira a merda / cheira a ser.” Quando este concluiu a sua principal obra “O teatro e seu duplo” (Le Théâtre et son Double), em 1935, na França, Manoel de Barros ainda nem lançara, aqui no Brasil, o seu livro de estreia “Poemas concebidos sem pecado”, que é de 1937. Mas o meu espanto com o verso que deu origem a este artigo é porque ele revela como o ator e diretor francês e o poeta brasileiro frequentam a mesma atmosfera de encantamento pela palavra enquanto fenda, abismo de sentidos. Em ambos, a arte não pode deixar de ser epifania e por isso atacam, cada qual do seu jeito, o racionalismo que dominou não só o teatro, mas também a literatura durante o século XIX, e que, ainda hoje, a despeito de todas as vanguardas e pós-vanguardas que se proliferaram no século XX, permanece em voga, ao menos no mainstream da literatura mais vendida e do teatro comercial. Tal encantamento aparece, tanto em Artaud quanto em Manoel de Barros, como um insistente chamado mítico e uma profunda relação com o divino e com a natureza (ritual e primitivismo).

Mas o que é o Teatro da Crueldade senão a poesia crua no corpo do ator? Enganam-se os que acham que Artaud era contra a palavra. Seu ataque se dirigia à palavra enquanto locus da razão, a palavra enquanto discurso, o texto enquanto origem e destinamento do teatro. O teatro, para Antonin Artaud, deveria ser o teatro e sua profunda sacralidade, para que mais? Se há palavra, que ela também esteja a serviço desta tarefa maior, que é a de provocar “abalos sísmicos no ser”. Manoel de Barros, que nada tem de cruel nem de ator, possui, em seu Menino do Mato, a surpreendente capacidade de provocar esses mesmos abalos, só que usando a força de sua meninice, de suas “ignorãnças” e das de Bernardo, e de tudo que “desvê” em pedras, passarinhos, pedaços de formigas e moscas no chão. “Lugar mais bonito de um passarinho ficar é a palavra” — diz Manoel. Logo também não é qualquer palavra que atrai o olhar do Menino do Mato, mas só as “palavras de ave”.

Na perspectiva do Teatro da Crueldade (que deveras é de um irracionalismo linguístico muito mais radical que o de Manoel), a palavra jamais estará condicionada ao discurso. A voz configura som, antes de palavra, e deve, enquanto som, tomar todo o corpo do ator cruel, como uma peste que o inflama. Trata-se, de fato, de um verdadeiro “atletismo afetivo”, não como um processo biomecânico frio, mas como um ritual de presença dos atores consigo mesmos, com os deuses e com o púbico. Eis, certamente, o mais desafiador no Teatro da Crueldade: essa presença que não é apenas técnica, e ousaria dizer que pouco tem que ver com técnica, sendo antes de mais nada transcendência. Uma verdadeira combustão física e psicológica do ator para o infinito, quando, em sacrifício, se oferece aos leões do palco. Aos que não têm coragem para tanto, aconselho uma tranquila e encantadora leitura de Menino do Mato, do poeta Manoel de Barros, o que já está de bom tamanho.

***
Livro: Menino do mato (Ed. Leya, 2010)
Autor: Manoel de Barros
Gênero: Poesia.
Valor aproximado: R$ 20,90 (novo)
Livro: O ator e seu duplo (Ed. Martins Fontes, 2006)
Autor: Antonin Artaud
Gênero: Teatro.
Valor aproximado: R$ 42,50 (novo)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Programação completa do FIG 2010.



O Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) chega à 20ª edição comprovando seu fôlego multicultural. Entre os dias 15 e 24 de julho, 17 polos atrativos irão tomar a Cidade das Flores oferecendo ao público uma programação que contempla não só áreas diversas como também um público de diferentes expectativas. Serão 10 dias de oficinas, fóruns de discussão, ações gastronômicas, shows, espetáculos de teatro e dança, exposições de arte e fotografia, mostra de cinema e circo.

Nesta edição, o FIG homenageia os 50 anos do Movimento de Cultura Popular, que, de 1960 a 1964, durante o governo de Miguel Arraes e Pelópidas Silveira, revolucionou o sistema de educação e alfabetização do Estado por meio da articulação cultural. A expectativa da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), que realiza o evento em parceria com a Prefeitura de Garanhuns, é de que mais de 400 mil pessoas circulem na cidade durante os 10 dias do evento.

Confira a programação:

Esplanada Guadalajara
PALCO GUADALAJARA

Parque Ruber van der Linden
PALCO INSTRUMENTAL

Av. Santo Antônio
PÓLO CULTURA POPULAR
TEATRO DE RUA

Parque Euclides Dourado
PALCO POP
PALCO FORRÓ
TEATRO PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE

CIRCO
DANÇA

Teatro Luiz Souto Dourado
TEATRO ADULTO
Catedral de Santo Antônio
MÚSICA ERUDITA
Cine Eldorado
MOSTRA DE CINEMA

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A segunda letra - por Giovanna Guterres

FILHA, MÃE, AVÓ E PUTA, a história de uma mulher que decidiu ser prostituta, de GABRIELA LEITE, conta em relato a vida de uma mulher que decidiu fazer a sua própria revolução. Logo na primeira página a autora descreve suas três paixões:

“...adoro homens. Gosto de estar com eles, e não conheço homem feio. Todos são bonitos...”;

“...adoro falar o que penso; ...”;

“... a terceira coisa que eu prezo muito, talvez a que mais prezo, aliás. É a liberdade. Liberdade de pensar diferente, de vestir diferente de se comportar diferente...”

Filha de uma dona de casa conservadora e de um crupiê, Gabriela teve uma vida marcada por acontecimentos conflituosos na infância. Inteligente e articulada ela tinha sede de liberdade. No final da década de 70 durante o regime militar, ela cursava a Faculdade de Sociologia na USP, tinha um emprego em um escritório, e freqüentava círculos da boemia intelectual paulistana. Largou tudo, menos a noite, para trabalhar como prostituta nos anos 70 e 80. Em 1987 ajudou a organizar O PRIMEIRO ENCONTRO NACIONAL DE PROSTITUTAS. Hoje se considera aposentada e se dedica a defender a categoria e a regulamentação da profissão. A ONG Davida, fundada por ela em 1991, pretende promover a cidadania das prostitutas com ações nas áreas de educação, saúde, comunicação e cultura. A grife DASPU inaugurada em 2005 ajuda nesta missão. Ela surgiu para gerar recursos para os projetos da ONG. Desfiles já foram realizados em várias cidades do país e a moda DASPU despertou o interesse internacional. Gabriela optou em ser prostituta por convicção, trabalha pelo reconhecimento da profissão e também pela defesa dos direitos dessas mulheres, como deve ser o comportamento das prostitutas e as maneiras delas se prevenirem de doenças. Até hoje ela prefere ser chamada de prostituta, apesar de não exercer mais a profissão. Critica termos politicamente corretos como profissionais do sexo, por considerar que eles escondem um preconceito. Não há como o leitor não se surpreender com a coragem desta mulher que se dedica há 30 anos a esta causa, tornando-se uma pioneira na construção de um novo olhar para um assunto que sempre causou um pânico moral na sociedade.