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quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Coluna política - por Evandro Rocha
O GRANDE TIMONEIRO
A China atualmente possui uma das economias que mais crescem no mundo. Sua média de crescimento econômico nos últimos anos é de quase 10%. Segundo especialistas, se mantiver esta taxa, em poucos anos, se tornará a maior potência econômica do planeta. Entretanto, nem sempre foi assim. No início do século XX, a China vivia sob a égide de um regime imperialista e sua economia era essencialmente agrária. Havia muitos problemas internos, e os governantes mantinham certa distância do povo. Diante de tal descalabro, surgiu dentre os chineses, um líder: Mao Tsé-tung. Nascido em 1893, em um vilarejo distante da capital, de infância humilde, filho de camponeses; frequentou a escola até os 13 anos de idade, quando foi trabalhar como lavrador. Por conflitos com seu pai, saiu de casa para estudar na capital da província. Conheceu as idéias políticas ocidentais e especialmente as do líder nacionalista Sun Yat Sen. Alistou-se como soldado no exército revolucionário até o início da república chinesa. Continuou estudando e assimilando o pensamento político-ocidental. Mudou-se para Pequim, onde iniciou seus estudos superiores em Filosofia e Pedagogia. Mao participou da fundação do Partido Comunista Chinês, foi confirmado oficialmente como chefe do partido, sendo nomeado presidente do Comitê Central. Em 1945, após a invasão japonesa à China, seu exército revolucionário tinha em torno de um milhão de homens e o apoio de 90 milhões de chineses. Venceu os nacionalistas e as forças conservadoras, responsáveis pela submissão chinesa. Marchou triunfalmente em direção a Pequim e, em 1 de outubro de 1945, proclama a República Popular da China. Em dezembro deste mesmo ano foi aclamado Presidente. Após a consolidação do poder do povo, Mao Tsé-Tung manteve-se fiel à idéia do desenvolvimento da luta de classes, tentando dar-lhe novo impulso através da liberdade de expressão. Iniciou uma política de desenvolvimento chamada de Grande Salto Adiante, baseada na industrialização associada ao desenvolvimento agrícola. Em 1966, com o apoio de sua esposa, Jiang Qing, Mao empreendeu a mais polêmica de suas iniciativas: a revolução cultural, destinada a abolir a distância entre povo e intelectuais. Encontrou muita resistência dos que queriam uma linha política e econômica mais moderada. Afastado do poder, com a saúde comprometida, continuou influente até a sua morte em 1976. Seu prestígio ultrapassou as fronteiras do Oriente, tornando-se um líder respeitado no plano internacional. Mao, mesmo depois de morto, continua sendo uma figura atual, suas idéias tiveram grande aceitação nos países do Terceiro Mundo como artífice da guerra popular revolucionária, com um legado importante. Na China é visto como um grande revolucionário, um salvador da pátria. Ainda hoje, muita gente se aglomera para ver o seu corpo embalsamado, e muitos chineses choram a sua morte. Acreditam que, através de suas políticas, ele lançou os fundamentos econômicos, tecnológicos e culturais da China moderna, transformando o país de uma ultrapassada sociedade agrária em uma grande potência mundial.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Coluna política - por Evandro Rocha
VOTO CONSCIENTE

sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Coluna política - por Evandro Rocha
A volta do velho Comandante
Para tristeza de muitos e alegria de seus simpatizantes, o ex-presidente cubano Fidel Castro reapareceu. Usando seu tradicional uniforme militar e, aparentemente bem disposto, o Comandante, como é conhecido, parece resistir ao tempo. Muitos achavam que ele estava morto ou aposentado. Prestes a completar 84 anos, Fidel é uma figura mítica na cena política mundial. Formado em Direito pela Universidade de Havana em 1949, começou sua carreira política se dedicando de modo especial à defesa dos opositores ao governo, trabalhadores e sindicatos. Denunciou as corrupções e atos ilegais do regime cubano na época. Entretanto, por sua postura em relação ao golpe de 1952, capitaneado por Fulgêncio Batista, Fidel foi a julgamento e assumiu sua própria defesa defendendo o direito dos povos de lutarem contra a tirania. Condenado a quinze anos de prisão, foi anistiado em 1955, graças a um amplo movimento popular. Decidiu se exilar no México, onde trabalhou na preparação dos homens que o acompanhariam em seu intento de iniciar a luta revolucionária em Cuba. Viajou aos Estados Unidos em busca de apoio dos cubanos residente neste país. Planejou a estratégia da luta contra a ditadura de Batista, financiada e apoiada pelos americanos e da ação das forças opositoras revolucionárias. Comandou diversos combates que culminaram em vitórias de suas tropas, orientou a criação de novas frentes de guerrilhas, trabalhou na preparação de leis fundamentais que deveriam promulgar-se uma vez alcançada a vitória. Partindo de Sierra Maestra, Fidel através do apoio incondicional da população cubana e depois de duros combates com o exército de Batista, desmontou o regime ditatorial e marchou até Havana. O Governo revolucionário instaurado o designou primeiramente Comandante em Chefe de todas as forças armadas, terrestres, aéreas e marítimas e depois, Primeiro Ministro. A ex-URSS deu apoio econômico e militar ao novo governo de Castro, comprando a maioria do açúcar cubano. A partir de então, Cuba passou a sofrer um embargo econômico por parte dos Estados Unidos, o que lhe trouxe sérios problemas de ordem interna. Desde os primeiros anos posteriores ao triunfo da Revolução, Fidel realizou medidas e atividades de grande relevância social para o desenvolvimento do país, como a nacionalização de empresas estrangeiras, a Reforma Urbana, o desenvolvimento da indústria nacional e a diversificação agrícola. A Campanha de Alfabetização (pioneira no mundo), a nacionalização e gratuidade do ensino em todos os níveis, a eliminação da saúde pública privada e do esporte profissional, a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos. Hoje o povo cubano colhe os frutos destas medidas - tais como: o alto grau de escolaridade da população, uma das mais avançadas medicinas do mundo e transformou-se numa verdadeira potência olímpica. Durante sua estada no poder por mais de 50 anos, Fidel, sofreu vários atentados e tentativas de golpe. Resistiu bravamente a tudo. Foi acusado de cercear liberdades e exercer um regime ditatorial, contudo, a maioria dos cubanos o veneram e o chamam de herói. Na aparição da semana passada, ele conclamou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a evitar o risco de uma ameaça de guerra nuclear no mundo. Afirmou que, o americano é o único povo capaz de evitar esse risco. Em seguida, o ex-presidente afirmou que em caso de guerra, seria um desastre, que afetará não só uma centena de milhares de pessoas, como também um número incalculável de norte-americanos. O discurso foi o primeiro público de Fidel depois de quatro anos afastado do poder. Oficialmente, o ex-presidente cubano é segundo-secretário do Partido Comunista. Nos últimos meses, ele deixou a reclusão e tem participado de eventos sociais. Pelo aparente vigor, o velho comandante irá incomodar os que torcem pelo seu fim, por mais um bom tempo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010
A segunda letra - por Giovanna Guterres
SUGESTÕES PARA ATRAVESSAR AGOSTO
Caio Fernando Abreu
Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé.
Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau;
Fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às regras lendas deste mês de cachorro louco.
É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data.
Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente.
Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos.
São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons deixam a vontade impossível de morar neles; se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições.
Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade.
Muitos vídeos, de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzsche a Sidney Sheldon.
Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente que isso também passará.
Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.
Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo.
Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós.
Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro, ou justamente, agosto.
Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos ou precauções – úteis a todos.
O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia, categoria originalidade...
Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo zap!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.
Caio Fernando Abreu
Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé.
Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau;
Fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às regras lendas deste mês de cachorro louco.
É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data.
Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente.
Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos.
São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons deixam a vontade impossível de morar neles; se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições.
Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade.
Muitos vídeos, de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzsche a Sidney Sheldon.
Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente que isso também passará.
Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.
Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo.
Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós.
Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro, ou justamente, agosto.
Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos ou precauções – úteis a todos.
O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia, categoria originalidade...
Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo zap!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Negritude exercida - Por Evandro Rocha

No dia 20 de julho, realizou-se no Recife, a plenária do Orçamento Participativo de negros e negras. O público presente escolheu, através de votação, as políticas públicas que serão implementadas a partir do ano que vem. Dentre as prioridades eleitas, as principais são: a realização de um curso sobre história da África e da cultura negra afro-brasileira para todos os funcionários da rede municipal de ensino, o fortalecimento da política municipal de promoção da igualdade racial e a garantia de segurança e estrutura na entrega de oferendas, em locais públicos, pelas religiões de matriz africana. Todavia, esta iniciativa é muito bem vinda, embora bastante tardia. Há tempos, a população negra clama por mais espaço na sociedade, pelo reconhecimento da suas origens e respeito aos seus cultos religiosos. Darcy Ribeiro, um dos maiores intelectuais que este país já produziu, afirma em seu livro: O povo brasileiro, que desde os primórdios da civilização brasileira, o negro teve um papel cultural mais passivo do que ativo, porém crucial. Tanto na mão-de-obra, como na mistura racial e cultural brasileira em suas cores mais fortes. De fato, das matrizes étnicas (europeia, indígena e africana) que moldaram o povo brasileiro, a mais oprimida foi a africana, pois os negros foram introduzidos na condição de escravos por pura falta de mão-de-obra, já que, a escravidão indígena não prosperou por causa de questões culturais. Esses fatores contribuíram para que os africanos fossem inseridos nas lavouras brasileiras, sendo obtida através do tráfico negreiro proveniente das colônias portuguesas na África. Antes disso, porém, transações envolvendo escravos africanos já ocorriam no Brasil, sendo a falta de mão-de-obra um dos principais argumentos dos produtores rurais. Capturados nas mais diversas situações, como nas guerras entre tribos rivais e na escravidão por dívidas, os escravos africanos vinham de lugares como Angola e Guiné. Eram negociados com os traficantes africanos (ironicamente, negros também) em troca de produtos como armas, fumo e as mais diversas espécies de quinquilharias e eram transportados em navios denominados negreiros. Durante as viagens, muitos escravos não sobreviviam em decorrência das péssimas condições sanitárias existentes no interior dos navios, que vinham abarrotados de gente. Quando chegavam em terras brasileiras, os escravos africanos eram negociados em praça pública. Os mais fortes e saudáveis tinha mais valor. O tráfico negreiro foi extremamente lucrativo e durou até o fim do século XIX. Nesse período houve muita pressão pela abolição da escravatura e o Brasil foi o último país a abolir o sistema escravista. Porém, o fim da escravidão, apesar de trazer a liberdade, não mudou em nada as condições sociais e econômicas dos negros, que continuaram a viver, de uma forma geral, em condições precárias, sem acesso a educação e sendo discriminados. Não impediu também que a exploração de mão-de-obra em regime de escravidão e o tráfico de pessoas continuassem sendo praticados até hoje. Diante dos fatos, nada mais justo que ações como as que estão sendo implementadas pela atual gestão do Orçamento Participativo da Prefeitura do Recife. Visando promover o direito dos negros de fazerem parte de uma nossa sociedade multicultural, multirracial e justa. Resgatando a sua cidadania perdida, protegendo seus cultos e liturgias, informando sobre sua origem e prioritariamente promovendo a tão sonhada igualdade racial.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Curta no Quarto - por Biagio Pecorelli
PARA VER DE OLHOS FECHADOS
O universo onírico é mesmo um tema privilegiado na obra de Maya Deren (1917-1961). A cineasta ucraniana, radicada nos Estados Unidos, é uma referência incontornável na história do cinema experimental mundial e, especialmente, no chamado “trance film” (filmes experimentais que exploram personagens deambulando num espaço-tempo de sonho). Produziu entre os anos 40 e 50 obras primas que misturam cinema, dança e mise en scène ao sabor daquilo que já haviam apregoado as vanguardas artísticas do início do século, neste caso, com particular sintonia, o surrealismo.
A obra de Maya Ritual in Transfigured Time, de 1946, traz uma jovem (Rita Christiani) perplexa diante de pessoas, gestos e lugares que cruzam seu caminho sem razão aparente, como num sonho do qual não pode escapar. São homens e mulheres que trazem à protagonista e ao espectador um forte componente erótico, onde medo e desejo se confundem e atordoam a jovem, por vezes procurada, por outras ignorada, por fim perseguida. O tema da perseguição, aliás, é caro à obra de Maya e já aparece marcantemente no seu mais famoso filme Meshes of the Afternoon, de 1943, transparecendo algo no qual a psicanálise de Sigmund Freud fora contundente: a perseverança implacável dos conteúdos recalcados, dos traumas psíquicos vividos, que se manifestam exemplarmente nos enigmas do sonho.
Afora tudo isso, em seu permanente diálogo com a dança, Maya Deren dirige seus espectros de modo que seus gestos, em princípio cotidianos e naturalistas, tornem-se absurdamente cênicos, dançados, até perderem por completo a referência à realidade (mimesis). A protagonista é que parece se manter numa coerência gestual afetada, mera ponta do iceberg a qual Freud se referira como consciência, ou quem sabe metaforize a situação do próprio realismo e da arte mimética em meados do século XX, diante da repercussão das vanguardas. As dimensões temporal e espacial, tal como quando sonhamos, também são totalmente subvertidas por Maya, que faz (a despeito da precariedade dos recursos cinematográficos da época em relação ao que vivemos no cinema hoje) mudanças contínuas de fundo (espaço) e congelamentos de imagem (tempo) que soam ao espectador como golpes da memória, fotografias inesquecíveis, manchas indeléveis no psiquismo. Em Ritual in Transfigured Time a protagonista procura se livrar de um homem dançarino (Frank Westbrook) correndo. Mas este, que não corre senão dançando num balé que parece deveras irreal, alcança sempre o seu caminho como um destino.
A fruição dos objetos artísticos a partir do século XX exige uma percepção que nem sempre estamos dispostos a experimentar - embora já centenária -, livre das tentativas de interpretação lógica que nos são naturais enquanto espécie supostamente pensante. Obras como Ritual in Transfigured Time, de Maya Deren, espraiam-se pelas profundezas da (in)consciência e nos pedem, gentilmente, um fechar dos olhos, ainda que precisemos estar de olhos bem abertos para a imagem. Só assim, sonhando, nos é possível confrontar os seus enigmas, suas relações desconcertantes, os mitos que, afinal de contas, estão na origem da obra de arte e, por que não dizer, da própria condição humana.
O universo onírico é mesmo um tema privilegiado na obra de Maya Deren (1917-1961). A cineasta ucraniana, radicada nos Estados Unidos, é uma referência incontornável na história do cinema experimental mundial e, especialmente, no chamado “trance film” (filmes experimentais que exploram personagens deambulando num espaço-tempo de sonho). Produziu entre os anos 40 e 50 obras primas que misturam cinema, dança e mise en scène ao sabor daquilo que já haviam apregoado as vanguardas artísticas do início do século, neste caso, com particular sintonia, o surrealismo.
A obra de Maya Ritual in Transfigured Time, de 1946, traz uma jovem (Rita Christiani) perplexa diante de pessoas, gestos e lugares que cruzam seu caminho sem razão aparente, como num sonho do qual não pode escapar. São homens e mulheres que trazem à protagonista e ao espectador um forte componente erótico, onde medo e desejo se confundem e atordoam a jovem, por vezes procurada, por outras ignorada, por fim perseguida. O tema da perseguição, aliás, é caro à obra de Maya e já aparece marcantemente no seu mais famoso filme Meshes of the Afternoon, de 1943, transparecendo algo no qual a psicanálise de Sigmund Freud fora contundente: a perseverança implacável dos conteúdos recalcados, dos traumas psíquicos vividos, que se manifestam exemplarmente nos enigmas do sonho.
Afora tudo isso, em seu permanente diálogo com a dança, Maya Deren dirige seus espectros de modo que seus gestos, em princípio cotidianos e naturalistas, tornem-se absurdamente cênicos, dançados, até perderem por completo a referência à realidade (mimesis). A protagonista é que parece se manter numa coerência gestual afetada, mera ponta do iceberg a qual Freud se referira como consciência, ou quem sabe metaforize a situação do próprio realismo e da arte mimética em meados do século XX, diante da repercussão das vanguardas. As dimensões temporal e espacial, tal como quando sonhamos, também são totalmente subvertidas por Maya, que faz (a despeito da precariedade dos recursos cinematográficos da época em relação ao que vivemos no cinema hoje) mudanças contínuas de fundo (espaço) e congelamentos de imagem (tempo) que soam ao espectador como golpes da memória, fotografias inesquecíveis, manchas indeléveis no psiquismo. Em Ritual in Transfigured Time a protagonista procura se livrar de um homem dançarino (Frank Westbrook) correndo. Mas este, que não corre senão dançando num balé que parece deveras irreal, alcança sempre o seu caminho como um destino.
A fruição dos objetos artísticos a partir do século XX exige uma percepção que nem sempre estamos dispostos a experimentar - embora já centenária -, livre das tentativas de interpretação lógica que nos são naturais enquanto espécie supostamente pensante. Obras como Ritual in Transfigured Time, de Maya Deren, espraiam-se pelas profundezas da (in)consciência e nos pedem, gentilmente, um fechar dos olhos, ainda que precisemos estar de olhos bem abertos para a imagem. Só assim, sonhando, nos é possível confrontar os seus enigmas, suas relações desconcertantes, os mitos que, afinal de contas, estão na origem da obra de arte e, por que não dizer, da própria condição humana.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
A segunda letra - por Giovanna Guterres

“Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez”. Caio Fernando Abreu
“Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar”.Caio Fernando Abreu
“Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão”. Caio Fernando Abreu
“Não choro mais. Na verdade, nem sequer entendo porque digo mais, se não estou certo se alguma vez chorei. Acho que sim, um dia. Quando havia dor. Agora só resta uma coisa seca. Dentro, fora”. Caio Fernando Abreu
“Não, você não sabe, você não sabe como tentei me interessar pelo desinteressantíssimo” Caio Fernando Abreu
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