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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sexta Cênica - Por Gilberto Trindade

O CIRCO TRANSFORMA!?

Posso perguntar e ao mesmo tempo afirmar ou afirmar e perguntar, o quanto nossos desejos, paixões, manias, dúvidas... Transcendem ao que vemos, ouvimos, sentimos, cheiramos e se aglutinarmos a cultura, a psicologia, o meio, a energia...

O artista e sua gama de saberes quando realiza suas proezas, encanta o público instantaneamente e leva-os também aos sonhos durante noites e anos.

No filme de 1967, As Sete Faces do Dr. Laó temos como exemplo da pergunta e resposta. A ficção se passa numa pequena cidade do Velho Oeste, e tem como conflito um grande fazendeiro tentando comprar toda a cidade sabendo que passará uma estrada de ferro dando-lhe muito lucro, neste ensejo chega à cidade um oriental, magrinho, com bigodes, barbas brancas e trajes típicos, em um pequeno jumento e um aquário na promessa de levar em sua empanada, diversão para todos daquela pequena comunidade.

O pequeno oriental observa o comportamento de todos num fórum de negociação para a venda das casas, à medida que prega seu cartaz nos principais pontos da cidade, mostrando todo seu repertório de atrações. Chegada a noite da estréia, com muitos fogos jogados ao céu como pedras pelo próprio oriental, os moradores chegam em seus cavalos, charretes, a pé e de carro, consumindo pipoca, refrigerantes, balas e balões.

Depois de saudar a todos, cada cidadão (que tem características estereotipadas) se encaminha para as tendas que a princípio se identificavam, (pois no circo do Dr. Laó existem tendas temáticas). A primeira a entrar na tenda de vidência é a solteirona e fofoqueira, também a mais rechonchuda, muito empolgada senta à mesa, paga logo a gorjeta e pergunta se um antigo namorado vai voltar para o casamento (falando sem parar e já convicta da resposta). Com muita calma o oráculo responde que ela terminará os dias só, sem namorados e filhos, sua reação é de repugnação, xingando-o, de charlatão, quando esta sai do recinto, Dr. Laó caminha para outra tenda.

A viúva, jovem e bonita mãe de um pequeno menino, trancou-se para o mundo depois da morte do marido, é assediada pelo jornalista da cidade, (do qual é o antagonista do fazendeiro sempre criticando-o em seu jornal, sendo perseguido por este). Sua própria sogra (residente na mesma casa), aconselha-a a casar-se com ele. Na frente da tenda tem uma placa, Deus Pan, coberta, quando a moça entra, a placa é descoberta. Num jardim começa a soar uma melodia, entre as plantas uma figura mitológica tocando flauta (metade gente da cintura para cima com chifres e carneiro para baixo), a música muda de ritmo, a figura circula em seu entorno rápido como a música, a viúva começa a suar, retira a gola do pescoço e quando o flautim se coloca cara a cara, ela vê o rosto do jornalista que a beija, esta sai correndo atordoada, Dr. Laó ainda com a flauta na mão vai para a outra tenda.

O fazendeiro dono da cidade entra na tenda da grande serpente que se assemelha muito com ele, os dois se olham e começa um diálogo tosco, onde a imagem do dono da cidade é denegrida pelo animal, olhando dos lados para ver se alguém escuta todos os adjetivos ditos, os dois dividem cumplicidades, inclusive a serpente fuma o charuto do fazendeiro, este se vê envolvido pelo animal e pede socorro aos seus capangas que tentam atirar no animal e o patrão pede que não a machuque. O dono da cidade e a serpente ficam desconfiados e seguem seus caminhos.

A medusa olha sob um espelho (uma bela mulher com seus cabelos em forma de cobra) a todos que lhe observam, sob a narração do Dr. Laó, descreve-se que ao olhar para este ser de frente, torna-se pedra. Duvidando disto e maltratando seu marido, prática constante, a senhora mais mau humorada da cidade se põe de frente a mulher dos cabelos de cobra, imediatamente seu corpo torna-se pedra, apesar do espanto de todos, há uma acomodação dos espectadores que partem para outro local de visita, só quem se compadece é o marido que fica a lamentar e pedir ajuda.

No pequeno palco à italiana, com direito a cortina vermelha, Dr. Laó apresenta o grande mágico Merlim de muitas centenas de anos. O velho mágico apresenta alguns truques que não agradam muito a sua platéia a não ser o menino, filho da viúva, que se diverte muito, o bêbado (como em toda a cidade não pode faltar) pede que saia um coelho da cartola, Merlim, até por uma caduquice, tira outros objetos, o público se afasta indignado, o menino fica a consolar o mágico. O marido da senhora antipática pede ajuda a Merlim que a faz voltar ao seu estado normal, detalhe, ela volta mais amável para os braços dele.

A noite de atrações acaba, não sem antes o abominável homem das cavernas circular pelo público, causando espanto e medo. No dia seguinte como despedida da estada da empanada de Dr. Laó, é exibida uma projeção melodramática em que os personagens são bem parecidos com os da cidade, inclusive o cínico (vilão) está querendo expulsar a todos para ganhar dinheiro. A platéia fica atenta à situação real que a cidade passa, terminado o filme a trupe de Dr. Laó se despede com um desfile de todos os artistas na arena principal.

Na madrugada os capangas do fazendeiro tomam uma grande quantidade de uísque e vão fazer arruaça na empanada do velho oriental. Um deles dá um tiro no aquário, o peixe cai no chão e começa a transformar-se num enorme monstro, com sete pescoços e cabeças. Os capangas atiram contra ele, o que é inútil, tentar matar um animal daquele tamanho com revólver, saem correndo, depois de bordoadas do animal. Dr. Laó sai do seu trailer, depois que o menino (filho da viúva) vai chamá-lo, com muita luta o Dr. acha a máquina de fazer chuver, coisa que há anos não acontecia na cidade, o mostro começa a diminuir, não sem antes nas suas sete cabeças aparecer sete faces do Dr. Laó que são os integrandes do circo do velho oriental.

O menino pede para seguir viagem com Dr. Laó, este poeticamente, alerta que a vida é um grande circo e o menino crescerá nesse picadeiro trazendo a pureza e alegria para a perpetuação deste espetáculo, onde tudo é uma hipérbole como a vida (nossas vidas), num jogo de verdade e mentira, ilusão, jogo de espelhos.

Dr. Laó segue o caminho dos cannion desérticos americanos em seu jumento, com aquário e peixinho, a cidade e seus habitantes vão ficando para trás, mas sem dúvida não mais como os de outrora.

Obs: Qualquer semelhança com alguém ou algum fato da vida real é mera coincidência.

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(Gilberto Trindade – Sociólogo pela Universidade Católica de Pernambuco, Pós Graduado em História da Arte e Religião, Pesquisador, Ator/Circense)

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