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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Teatro de Quinta na Sexta - Por Sidmar Gianette

Teatros Mágicos no Sábado Pernambucano

Depois de tanto tempo falando mal do teatro pernambucano, fui surpreendido no último sábado, 8 de maio, por dois bons espetáculos de companhias locais. Refiro-me a “Quase Sólidos”, da Cia. Trupe de Copas, e a “Polo Marginal” espetáculo de rua do grupo Loucos e Oprimidos da Maciel. Começando a falar de “Quase Sólidos”, como disse a Junior Aguiar, co-autor do espetáculo, pouco antes do início da outra peça na Rua da Imperatriz, “é um dos melhores elencos que vi nos palcos daqui em anos”. Isto não é só puxa-saquismo de amigos. No palco do Teatro Apolo, Aguiar, juntamente com Eron Villar e Viviane Bezerra, dominam a cena com muita propriedade. Isto se dá em parte por serem três atores com pelo menos 10 anos de experiência, com bons espetáculos em seus currículos individuais; também se dá pela segurança e propriedade da direção de Elias Mouret, vulgo Bam, que estava fazendo falta nos palcos daqui; e em outra parcela por serem os atores também responsáveis pela dramaturgia da peça, um mix de textos próprios com referências que vão desde o Grupo Camelo (Coletivo de artistas plásticos recifenses que conta com diversos trabalhos e manifestos) até Dostoiévski e Baudelaire. Este texto, e a maneira como a encenação se apropria dele, são a primeira coisa que salta aos olhos e ouvidos da platéia. Logo na primeira cena, recortes do texto, juntamente com recortes gestuais que você retomará mais adiante na peça, são apresentados pelos três atores, que interrompendo-se e sobrepondo-se, conversam com o ritmo do vídeo projetado sobre eles, criando uma poesia espacial de desconstrução e desrealização, que acaba por justificar o título da peça, situado na solidez das emoções humanas, o que não quer dizer muita coisa, e por isso o “quase” cabe como uma luva. Quando você acha que a peça vai ser aquela coisa destruída e entrecortada que se apresenta, o vídeo cai e os atores retornam ao ritmo linear da vida humana para, ir construindo após os pedaços restantes daquilo que seria o prólogo, a primeira das histórias apresentadas, a da mulher que pede esmolas no pé da ponte, e que tem um filho, e que está gravida de outro, e quantas mazelas mais você puder imaginar. Os três atores revezam-se no papel da “Santa Pedinte do Pé da Ponte”, ora incorporando-a, ora tecendo comentários e interagindo com ela, e isto sem cair em chavões de teatro político ou melodrama, apesar de uma imagem de Deus-Pai-Salvador da qual discordo, porém considero cabível no contexto da peça. Alguns movimentos depois, encontram-se os três atores sentados de frente para a platéia, tratando-se por seus nomes reais e discorrendo na sequência mais divertida da peça que poderia se chamar “Amar é”. Impossível não rir depois de algumas sacadas do tipo “Amar é colocar 'namorando' no orkut”, ou “Amar é peidar debaixo do lençol e balança-lo”, ou ainda, o mais indefectível de todos “Amar é dormir de conchinha”. O que impressiona nesta cena ainda é o modo como os objetos que já apareceram na peça são utilizados de maneira trivial, criando belas imagens, principalmente quando aparecem três guarda-chuvas vermelhos, o que pode ser até um fetiche meu, mas que acaba ficando bonito no quadro com os três atores sentados em linha, fazendo variações com este objeto enquanto continua o texto. É desse jogo com os objetos e com a idéia da futilidade do amor que aparecem as cartas que vão levar ao desfecho da peça. Júnior Aguiar começa a ler uma das cartas que conduz à história de seu amigo baleado no bairro de São José. Eu não sei se esse final é aleatório, pois existem outras cartas em cena com outras histórias pessoais, mas acabou caindo bem depois da leveza da cena anterior. Uma das chaves do espetáculo se dá na maneira como os atores começam a construir uma cena a partir dos pedaços da anterior, e quando esta atinge uma maturidade, simplesmente é desmanchada, esta história corrente fica largada em prol de outra que começa a se construir. Como uma das frases ditas no início do espetáculo, “Tudo o que é sólido desmancha”, o que acaba sendo uma das proposições da encenação. Por outro lado, a simplicidade e sutileza com que Bam, o diretor da peça, trabalha com os elementos para formar essa colcha de retalhos é muito própria, além de conduzir bem os atores muito precisamente no caminho que ele quer, sabendo abrir os espaços certos na encenação para encaixar poéticas pessoais dos performers. Como disse no início, os três atores, apesar de alguns vícios de interpretação não terem sido exatamente limpos, e que eu só tenha percebido talvez por já ter trabalhado isoladamente com os três em outros momento, formam um dos melhores elencos do Recife hoje, o que contribui decisivamente para que o público veja um bom espetáculo. Também nos mostra o que um pouco de planejamento e estrutura mínima para a pesquisa teatral podem fazer pelo teatro pernambucano, dado que o projeto de “Quase Sólidos” conta desde 2008 com o apoio da Funarte, via prêmio Myriam Muniz, e contou com a estrutura do Centro Apolo-Hermilo para ensaios, via projeto de residência artística, do qual falarei em outra ocasião. O espetáculo segue em temporada no Teatro Apolo, aos sábados e domingos, até o dia 29 de Maio, e se apresenta no dia 18 do mesmo mês no Teatro Milton Bacarelli, o famoso teatrinho do CAC, lá ao lado do estúdio do Departamento de Música da UFPE. Mais informações sobre a peça e o processo de criação podem ser encontrados no blog da companhia: www.trupedecopas.blogspot.com

Bom, eu falei que tinha visto duas peças boas no sábado, e a segunda foi o “Polo Marginal” logo no início da Rua da Imperatriz, com a Rua do Hospício. Eu, que só tinha saído de casa pra ver a outra peça e tomar cachaça com as farrapeiras da Well e da Ariann, chego na Rua da Moeda por volta de 9 e meia da noite e encontro DuJarro se aprontando para tocar lá no Pina, na companhia de quem? Roberto Macarrão e Léo Zadi. Neste momento eu juro que pensei, fudeu minha noite, vou ter que aguentar Macarrão enchendo minha mesa de cerveja enquanto Léo vai ficar aí arranhando aquela porra daquela rabeca. Mas não, Roberto me botou foi dentro de um táxi, e fomos os três ver a apresentação dos loucos da Maciel, na companhia da bela e luminosa Raíssa (decorei teu nome, viu? Só não sei se é assim mesmo que se escreve). Aguiar também apareceu por lá e aí armou-se o circo. “Polo Marginal” é um espetáculo de rua baseado nas músicas e poemas de Marco Polo Guimarães, aquele mesmo da lendária banda pernambucana Ave Sangria. Segue a mesma linha de encenação do trabalho anterior do grupo, “Do Moço e do Bêbado Luna”, calcado nos poemas de Érickson Luna. Seis atores e uma atriz mesclam no palco números musicais tocados ao vivo, com cenas criadas a partir de poemas do autor. Este, que estava sentado numa das mesas, aparentava estar gostando bastante do trabalho, os atores divertiam-se vendo que ele estava gostando e que eu sabia todas as músicas do Ave Sangria, já perdendo a sobriedade e cantando ao lado do palco. Longe de ser um recital fechado, pega bem o espírito boêmio do bairro da Boa Vista, incorporando bem a improvisação e a interação com a platéia, principalmente no quadro anunciado como “Mete Bronca”, uma sátira aos quadros de TV onde a população reclama e faz críticas, sendo um microfone aberto no meio da apresentação. Vale mostrar seu poema, cantar uma música, ou reclamar do garçom, tanto faz, o picadeiro estava lá para quem quisesse. Lá pelas tantas, Amaro, também ator que estava no público, já se integrava ao elenco com um chocalho na mão. Vale citar a habilidade dos integrantes do grupo Loucos e Oprimidos da Maciel em vários instrumentos musicais, na manipulação destes também como objetos de cena muito bem feita, e na colaboração do histórico Gê Domingues (mais informações no livro de Luís Reis sobre Cinderela) nas canções apresentadas, dando um embalo musical ao espetáculo que é o que traz essa leveza e clima de divertimento para quem assiste, e que garante os aplausos do público no fim. Meu amigo Samir, que hoje mora longe, admirava muito a poesia de Marco Polo e posso dizer que a peça aguçou em mim a curiosidade sobre seus poemas.

Bom, como isso aqui é uma coluna de teatro, não vou falar do resto da noite, até porque ninguém tem nada a ver como a minha vida. Mas deixo o registro de que, apesar de algumas egotrips, Júnior DuJarro (com o 'u' que você não gosta, puto!) continua sendo o melhor baterista do Recife, e eu continuo dizendo que todas as bandas deviam contratá-lo. De resto, prestem atenção na programação do Festival Palco Giratório, que vai até o fim do mês, disponível no site: http://www.sesc-pe.com.br/palco2010/

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