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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Teatro de Quinta - por Sidmar Gianette

Sobre nossos “tortos” corações.
(Para ler escutando David Bowie da década de 60)


Conforme prometi na semana passada para meus leitores e para Giordano, autor da peça, o assunto desta quinta é “Um Torto”, peça apresentada como projeto paralelo do Grupo Magiluth na programação do Festival Palco Giratório. Segundo as palavras do próprio autor, esta peça não é classificada como um drama ou uma comédia (embora alcance pontos dos dois gêneros), mas sim como reality show. O que isso significa? Quer dizer que boa parte do que se vê e se ouve no espetáculo é real, ou um real maquiado, como nos BBB's. É Giordano Bruno expondo para a platéia seu coração brega de luzinhas vermelhas piscando, seus gostos e sua maneira de ser, de interpretar as coisas do mundo, assumindo suas imaturidades, seu romantismo, sua espontaneidade, seu inacabamento e sua vontade de viver. Isso pode parecer a alguns como uma porção egocêntrica do artista, e é, mas também não é só isso. O que vi no SESC de Santo Amaro semana passada foi um dos melhores exemplos do que mais creio como convincente num ator em cena, uma exposição dilacerante, um matar ou morrer de si mesmo, remontando àquele papel do ator cristão na Arena Romana, lutando por si mesmo por sua própria vida contra os leões esfomeados que o cercam. A platéia nesse caso são os leões, que durante a hora e pouca na qual o espetáculo se desenrola, vai sendo domada por vários fatores, sejam alguns aspectos que soam inovadores na peça, seja a narrativa bem construída e entrecortada, ou pelo time perfeito de cena, ou simplesmente por se reconhecer e compartilhar, e compadecer-se com alguns aspectos da angústia pessoal do ator. “Um Torto” tem seu tema no amor, nos relacionamentos amorosos, ou melhor, na sensação que fica com o fim destes. Talvez quem não tenha passado por este momento na vida, o da separação dolorosa e consciência do fim de planos feitos a dois e o retorno à condição de existência solitária, não se comova em nada com a peça, apesar deste ser um tema também bastante explorado por folhetins melodramáticos das seis ou das oito. Mas o que garante que o intérprete dessa peça ultrapasse essa categoria de melodrama para criar com o público uma relação de cumplicidade, é principalmente a maneira como ele compartilha objetos comuns, aqueles restos de poemas, músicas e presentes que retomam a presença do ser amado no fim de uma relação. Exemplificando melhor, o que pode trazer você para a mão de Giordano durante a peça pode ser, a canção de David Bowie cantada sem sentido, mas que faz todo o sentido na sua vida, o fato de você também gostar de sexo quando acorda, ou de escovar os dentes e tomar água gelada, ou de você também ter uma mãe que não te entende mas que te apóia, ou qualquer outra bobagem de nossas vidas que ganha um sentido ampliado quando exposto no palco. Talvez no meu caso tenha sido Starman do Bowie, ou o fato de já ter pedido muitas vezes perdão a uma namorada por algo que eu tenha feito bêbado, e não ter sido perdoado, pode ter sido a Dory de “Procurando Nemo”, mas de qualquer maneira, a peça me pegou, e a boa parte da platéia presente, pela sensação de partilha de várias coisas que compõe o modo de ser e de amar da nossa geração.
Este primeiro ponto diz como podemos pegar coisas do nosso cotidiano e transformá-las em símbolos universais que garantem à peça uma comunicação com todos. Mas outros fatores também chamam a atenção na montagem. Quando se chega ao teatro, o ator encontra-se bem tranqüilo, ele mesmo conversando com a platéia, distribuindo balões vermelhos que serão utilizados em algum momento da peça. Isto já assegura uma promessa de interação com o público que marca o espetáculo. Mesmo que essa interação não se desenvolva a pontos extremos, por opção do autor, garante já aquela idéia de cumplicidade apresentada no primeiro parágrafo. Outra coisa que parte desta interatividade e que transforma o espetáculo é a divisão do espaço. O palco é dividido em 5 áreas que denotam sentido à cena. São os espaços caracterizados como dentro, fora, coração, cover e espaço de exposição. O que acontece é que essas áreas estão desenhadas no chão, mas não definidas como tal, sendo acordadas com a platéia antes do início do espetáculo e demarcadas por objetos simples que as caracterizam: uma placa de saída no espaço de fora, o dito coração de plástico com pisca-pisca vermelho no espaço coração, um cubo de baixo, o microfone e o setlist no espaço cover e assim por diante. Conforme a platéia vai dizendo, aqui, ali, ou acolá, o intérprete vai organizando o palco. Isso garante de certa forma o frescor e a espontaneidade que a peça precisa para funcionar, dado que o ator não sabe de início para onde deve se locomover durante a representação. Parece em certos momentos improvisado, que Giordano vai descobrindo para onde deve ir de acordo com a evolução de seus sentimentos e sua capacidade de expor os mesmos. Dá um ar à peça de que qualquer coisa pode acontecer, e que se o hipócrita cretino que está em cena quiser abandonar o palco e for para o camarim porque não agüenta mais aquela situação, pode acontecer. Mas não é. O trabalho é muito bem ensaiado e apresentado com muita propriedade e segurança. A dramaturgia chama a atenção pela maneira como é construída de passagens soltas e que vão se juntando para formar a trama que nos envolve. Mas pessoalmente, o ponto alto da peça é a já dita, capacidade de dilaceramento próprio que o autor nos demonstra. Giordano parte da futilidade banal quase cômica do nosso dia-a-dia até pontos de desespero e angústia que nos levam até a chorar no fim do espetáculo. É a chamada crueldade do teatro que nos é apresentada neste ponto. Como Artaud nos chamando a um teatro que expõe o “paroxismo dos pestilentos que não aguentam mais a dor de viver e se jogam nas fogueiras da cidade”. No caso dessa peça, é o do ser humano que precisa expor seus sentimentos para o mundo, por mais frágil e indefeso que vá ficar depois disso. É uma necessidade que comunga com a necessidade de grandes artistas como Van Gogh e o próprio Artaud de criar independentemente de como sua sociedade julga suas obras, de criar porque é a motriz que os mantém vivos. E é nessa necessidade de si mesmo que Giordano abre seu coração e o entrega a nós, e faz com que nos sintamos iguais ao fim do espetáculo, de alma lavada, porque no tempo do espetáculo assumimos que nosso egoísmo é em parte o que nos une, o que nos dá graça e o que garante que nossas vidas não sejam uma linha reta, mas uma linha torta e bem tramada. Expõe-nos a necessidade de viver como um romance, de errar e continuar errando, contanto que sejamos sinceros com nós mesmos e com o mundo.
Se você não estava lá, e não está naquela fase terrível de depressão que sucede o fim de um relacionamento, ou se está, mas de repente não tem medo de sentir vontade de se matar, assista “Um Torto” no Centro Cultural dos Correios, antes do dia dos namorados e antes da copa, nos dias 28, 29 e 30 de maio e 4, 5 e 6 de junho, ás 19 horas, e sinta que você não está só no mundo com seus discos de Chico Buarque e do Los Hermanos.

Serviço

Um Torto
Centro Cultural dos Correios - Recife Antigo
de 28/05 a 06/06
Sextas e Sábados às 20h
Domingos às 19h
Ingressos: 12 reais (inteira) / 6 reais (meia entrada)

Mais Informações: 8799-7942
www.grupomagiluth.com.br
www.grupomagiluth.blogspot.com

7 comentários:

  1. Só Biagio me lê...

    (be)cha, se prepara q mês q vem tu vai escrever a coluna enquanto eu vejo a copa....

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  2. sinto falta de comentários tb.. o povo comenta as matérias no meu orkut, ne lasca?

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  3. kkk... me chama pra ver a copa, porra de escrever.

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  4. Ouxi, mas os teus textos são os mais interessantes, argumentativos e não apelativos deste blog. E digo mais... ainda bem que tu escreve justamente sobre teatro, que é uma das minhas maiores taras.

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  5. Be, bora ver a copa em casa caiada comigo e Guma? kkkkkkk

    Jaque, brigado pelo comentário. Vc deixou um gancho pra uma cantada no teu texto, mas vou deixar passar a chance... kkkkkk

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